SOPATI Sociedade Paulista de Terapia Intensiva
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Artigo Comentado - Junho/2013

Uma inversão no tratamento da sara? – posição prona!

Luciano Azevedo
Médico da UTI da Disciplina de Emergências Clínicas do HC-FMUSP
Médico da UTI da Disciplina de Anestesiologia e Medicina Intensiva da UNIFESP
Pesquisador do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa.
Diretor tesoureiro da SOPATI

GuerinC, Reignier J , Richard J-C, et al. Prone Positioning in Severe Acute Respiratory Distress Syndrome. N Engl J Med. 2013 Jun 6;368(23):2159-68.

A posição PRONA tem sido utilizada por muitos anos para melhorar a oxigenação em pacientes que necessitam de ventilação mecânica, durante episódios de síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Estudos prévios, randomizados e controlados têm confirmado que a oxigenação é significativamente melhor, quando os pacientes estão colocados em posição PRONA do que quando estão na posição SUPINA.

Na SARA, uma das principais características fisiopatológicas que contribuem para piora da oxigenação, é a presença de colapso. As regiões mais basais e mais posteriores dos pulmões são as que mais sofrem pela ação gravitacional, que opera sempre a favor do colapso. Em situação de doença, desprovidos de surfactante, os alvéolos dessas regiões gravidade-dependentes se colavam, contribuindo para o distúrbio da relação ventilação-perfusão e hipoxemia. Além disso, o peso da caixa torácica, do miocárdio e do pulmão inflamado sobre essas regiões, também, contribui para a dificuldade de abertura dos alvéolos. Aí está a justificativa para o uso da PRONA: com o posicionamento ventral, ficam liberadas do efeito gravitacional do coração e do compartimento abdominal, as regiões basais posteriores, o que traz oportunidade para alívio do colapso e da sobredistensão, otimizando a distribuição regional de ar e sangue.

Além dos fatores descritos previamente, várias linhas de evidências demonstraram que a posição prona poderia impedir lesão pulmonar induzida pela ventilação. Contudo, estes benefícios fisiológicos verificados nos estudos clínicos, não se traduziram em melhores resultados finais para os pacientes. Uma vez que, não foi observada melhora significativa na sobrevida. No entanto, estudos de meta-análise sugeriram que a sobrevivência é significativamente melhorada com PRONA, comparado com a posição supina, em pacientes com SARA grave, no momento da randomização. Assim, Guerin et al realizaram um estudo prospectivo, multicêntrico, randomizado, controlado para explorar se a aplicação antecipada da posição PRONA poderia melhorar a sobrevida em pacientes com SARA, em uso de ventilação, com pressão positiva expiratória final (PEEP) de pelo menos 5 cm H20 e com PaO2/FiO2 150.

Nesse estudo, cerca de 470 pacientes com SARA grave, caracterizados por ventilação mecânica inicial com PEEP médio de 10 cmH20, PaO2/FiO2 em ambos os grupos de 100 e complacência respiratória média de 35 ml/cmH20, foram randomizados para dois grupos (229 pacientes grupo SUPINA e 237 pacientes grupo PRONA). O grupo supinaera ventilado, de acordo com critérios habituais, que incluíam volume corrente menor que 6 ml/kg, peso corpóreo predito, pressão de platô abaixo de 30 cmH20 e PEEP/FIO2 ajustados pela tabela do ARDSNET. Já o grupo PRONA, era ventilado com esses mesmos critérios, porém os pacientes eram mantidos na posição de mesmo nome, por cerca de 16 horas por dia. Em caso de complicações, como piora da hipoxemia ou intercorrências, como arritmia ou distúrbios hemodinâmicos, a posição PRONA era interrompida. Do mesmo modo, em caso de melhora persistente dos critérios de oxigenação, a posição PRONA era, também, interrompida e não mais retomada, a não ser que houvesse nova piora subsequente.

Quanto aos resultados, utilizar posição PRONA se associou com significativa redução da mortalidade aos 28 dias (32% no grupo SUPINA e 16 % no grupo PRONA, P<0, 001). Do mesmo modo, não houve diferença em termos de eventos adversos entre posição PRONA e SUPINA, uma das maiores questões potenciais relacionadas a essa manobra. Em média, os pacientes do grupo PRONA foram submetidos a 4 episódios de posicionamento em PRONA, durante sua estada da UTI. Um dos principais motivos pelos quais este estudo teve resultados positivos e foi diferente de outros estudos prévios de PRONA, diz respeito ao tempo que o paciente era mantido nessa posição. Nos estudos anteriores, os pacientes se mantinham em posição PRONA, em média, por 30% do dia, ao passo que nesse estudo, nos dias em que foram submetidos à posição PRONA, cerca de 73% desses dias, era decorrido com o paciente em decúbito ventral. Isto pode ter contribuído para uma maior persistência da melhora da troca gasosa, facilitando assim a evolução.

A despeito de seus resultados positivos, este estudo apresenta algumas limitações que devem ser reconhecidas. A primeira diz respeito a um significativo desbalanço entre os pacientes dos grupos PRONA e SUPINA na randomização. Os pacientes do grupo PRONA eram significantemente menos graves, com SOFA mais baixo e menor uso de vasopressores, assim como haviam recebido mais bloqueadores neuromusculares (um possível fator protetor). Isso pode ter contribuído para o melhor resultado do grupo PRONA. Do mesmo modo, o fato do estudo não ser cego, pode ter feito com que os pacientes PRONA recebessem um melhor tratamento do que os pacientes do grupo supina (o chamado Efeito Hawthorne), o que também pode ter contribuído para seu melhor desfecho. Outro aspecto importante frisado pelos autores, diz respeito à prévia experiência deles com PRONA, o que faz com que os seus resultados não possam ser facilmente transponíveis para outras UTIs, notadamente os serviços brasileiros, com sua deficiência reconhecida de recursos humanos.

Para concluir, a posição PRONA é um recurso útil, se usada precocemente em pacientes com SARA grave. Contudo, características do serviço como número e capacitação adequada de recursos humanos e monitorização estrita dos pacientes, devem ser levadas em consideração na tomada de decisão quanto a esse procedimento.

A leitura do artigo na íntegra está disponível em: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1214103

 

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