Artigo Comentado - Agosto/2013
ARTIGO COMENTADO DO MES - SOPATI
Não sejamos tão intensivos em nossos pacientes sob cuidados intensivos – Menos é mais!
Luciano Azevedo
Médico da UTI da Disciplina de Emergências Clinicas do HC-FMUSP
Médico da UTI da Disciplina de Anestesiologia e Medicina Intensiva da UNIFESP
Pesquisador do Instituto Sirio-Libanes de Ensino e Pesquisa.
Diretor tesoureiro da SOPATI
Kox M, Pickkers P. “Less is more" in critically ill patients: not too intensive. JAMA Intern Med 2013;173(14):1369-72.
A visão atual em medicina intensiva é que pacientes muito doentes precisam de tratamentos muito intensivos. Contudo, neste grupo de pacientes altamente vulneráveis, o tratamento mais intenso pode aumentar as chances de efeitos adversos indesejáveis e, portanto, danos iatrogênicos. Portanto, podemos afirmar que os pacientes em estado crítico, provavelmente, poderiam se beneficiar de uma abordagem mais cautelosa.
Usando dados de grandes ensaios clínicos de anos anteriores, os autores do artigo de revisão acima (Kox & Pickkers) exemplificam que o pensamento de suporte da medicina intensiva mudou, de tal modo que abordagens menos intensivas e intempestivas parecem ser mais benéficas aos pacientes críticos em dias atuais. Assim, dois postulados tem sido cada vez mais importantes na descrição dos cuidados atuais dos pacientes graves. O primeiro, de acordo com o juramento de Hipócrates (primum non nocere), diz respeito a que a prioridade do tratamento tem que ser não causar danos aos pacientes. O segundo, (Menos é mais ou less is more), sugere que abordagens menos invasivas poderiam ter um impacto notável sobre os custos de saúde crescentes e a morbimortalidade relacionada aos cuidados intensivos.
A tabela abaixo mostra as principais intervenções em pacientes críticos que foram modificadas a partir de estudos publicados na década de 90-2000.
Tabela. Principais intervenções realizadas em pacientes críticos e suas mudanças ao longo das últimas décadas.
Intervenção | Década 80-90 | A partir anos 2000 |
Ressuscitação volêmica | Supranormalização tardia da oferta de oxigênio com fluidos e inotrópicos | Otimização hemodinâmica precoce e balanço hídrico negativo em pacientes estáveis. |
Suporte ventilatório na SDRA | Volumes correntes entre 10-12 ml/kg e baixos PEEPs. | Baixos volumes correntes (4-6 ml/kg), pressões de platô limitadas e PEEPs mais elevados. |
Sedação | Sedação contínua até melhora da doença | Interrupção diária da sedação e mobilização precoce |
Monitorização Hemodinâmica | Swan-Ganz em pacientes hemodinamicamente instáveis | Métodos minimamente invasivos ou não-invasivos (Ecocardiograma) |
Nutrição | Elevada ingesta calórica | Baixa ingesta calórica por via enteral |
Antibioticoterapia | Longa duração baseada em tempos programados | Curta duração e retirada baseada em biomarcadores |
Transfusão sanguínea | Limiar transfusional Hb 10 g/dL. | Limiar transfusional Hb 7 g/dL para maioria dos pacientes críticos. |
Suporte ventilatório, fluidos e transfusão
A primeira intervenção associada a benefício em pacientes com Sindrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) demonstrou que a utilização de volumes correntes mais baixos (6 vs 12 mL/kg) reduziu a lesão pulmonar e melhorou os desfechos. Além disso, estudos mais recentes e meta-analises mostram que para pacientes com SDRA mais grave, o uso de valores mais altos de PEEP (nesse caso, menos não é mais) poderia se associar a melhores desfechos.
Além disso, a suplementação demasiado liberal de oxigênio resultando em altos valores de PO2 está associada, ainda que ligeiramente, a aumento da mortalidade em estudos de coorte. Ensaios randomizados para investigar os efeitos dos níveis mais altos e mais baixos de oxigênio são atualmente não disponíveis.
Após a fase de reanimação volêmica inicial, tem sido demonstrado que um balanço hídrico mais conservador com restrição de fluidos e terapia diurética resulta em uma menor permanência na UTI em comparação com um mais regime mais liberal.
Outros aspecto onde menos é mais nesse contexto diz respeito à transfusão de sangue. Uma estratégia restritiva de transfusão de hemácias é superior a uma estratégia liberal em diferentes subgrupos de pacientes criticos como pacientes hemodinamicamente estáveis, idosos e no pós-operatorio de cirurgia cardiaca.
Corticosteróides, Monitorização e antibióticos
Pacientes com choque refratário que necessitam de altas doses de vasopressor podem se beneficiar dos uso de corticosteroides. Contudo, nos estudos iniciais, doses elevadas de corticosteróides resultaram em desfechos desfavoráveis. Contudo, estudos posteriores demonstraram que doses mais baixas de corticosteroides podem melhorar esses resultados, especialmente quando administrados mais precocemente em pacientes com choque refratário. Outro argumento em apoio de "menos é mais" em pacientes críticos é o fato de que os estudos não conseguiram demonstrar que a monitorização hemodinâmica mais invasiva usando cateteres de Swan-Ganz é benéfica para pacientes de UTI. Atualmente, monitorização menos invasiva como por exemplo com ecocardiograma tem sido preferida nesse contexto. Até mesmo uma menor duração do tratamento antibiótico com redução guiada por procalcitonina não foi associada com pior resultado, enquanto o uso liberal de antibióticos tem muitas desvantagens, entre os quais o aumento do risco de desenvolvimento de resistência antimicrobiana é o mais importante.
Sedação, nutrição e controle da glicose
A maior parte dos pacientes críticos costumava ficar profundamente sedada até recuperação. Agora, está se tornando claro que interrupção diária precoce da sedação ou mesmo ausência de sedação para a maior parte dos pacientes é superior. Finalmente, os pacientes precisam de nutrição, e verificou-se que alta ingestão calórica está associada com aumento da mortalidade, enquanto baixa ingestão calórica por via enteral (subalimentação permissiva) reduz a mortalidade hospitalar em pacientes afetados. Adicionalmente, em pacientes com SDRA foi recentemente demonstrado que a alimentação enteral plena não é superior à alimentação trófica em termos de tempo de ventilação mecânica ou mortalidade. Relacionada a esta questão, os efeitos benéficos do controle glicêmico regular em relação à manutenção de glicemia descontrolada foram demonstrados.
Exceções à regra
Naturalmente, há algumas notáveis exceções à regra, e algumas vezes para os pacientes críticos, "Mais é mais". Por exemplo, a mobilização precoce do paciente crítico, a descontaminação do trato digestivo e orofaringe, e a alta intensidade de pessoal médico e de enfermagem estão associadaa a melhores resultados. Além disso, a otimização hemodinâmica e terapia alvo-dirigida precoce correlacionam-se com melhores resultados após grandes cirurgias e na fase inicial da sepse. Adicionalmente, um tratamento altamente invasivo como a oxigenação por membrana extracorpórea tem demonstrado beneficio no manejo de pacientes com hipoxemia refratária às terapia habituais.